Por Valeria Guimarães
As novas ciclovias, que começaram a ser construídas no segundo semestre do ano passado, são resultado do plano estratégico da Prefeitura chamado “Rio, capital da bicicleta”, com o objetivo de “incentivar o uso da bicicleta como modal de transporte e ampliar a infra-estrutura existente”. De acordo com a Prefeitura, o Rio já é a cidade com o maior número de ciclovias do país.
É claro também que essas ciclovias estão diretamente relacionadas à construção da “marca” Rio de Janeiro, caracterizada por profundas intervenções urbanísticas e pela redefinição dos modelos de gestão urbana, tão debatidos neste blog. Esses projetos em grande parte se inspiram no projeto de revitalização da cidade de Bogotá. Uma das metas do prefeito Eduardo Paes até o final de 2012 é dotar a cidade de uma malha de 300 km de ciclovias, superando a capital colombiana e garantindo assim o título de cidade da América Latina com o maior número de ciclovias.
Até aí não haveria nada demais (não vou entrar no mérito da execução das obras, qualidade dos materiais utilizados, licitações). Mas quando as ciclovias são projetadas e implantadas – eu diria até improvisadas – pelo poder público em cima da calçada, em bairros onde é intenso o fluxo de pedestres e de ciclistas, o melhor é tomar alguns cuidados básicos para evitar situações que vem se repetindo cotidianamente.
Vou me deter apenas à rota inaugurada em 2011 que liga os bairros da Praça Seca e Vila Valqueire. A intenção é evitar que mais algum leitor que precisar circular pela área venha a sofrer com os desagradáveis problemas trazidos pelas ciclovias projetadas sobre a calçada e, obviamente, para levantar uma discussão sobre o custo social de uma gestão urbana que nos impõe projetos modernizadores que não levam em conta o bem-estar da população nem as particularidades de cada canto dessa imensa cidade.
Para desfrutar e sobreviver às novas ciclovias sobre as calçadas, procurando manter a segurança e as relações de civilidade entre moradores, comerciantes, ciclistas e pedestres nos trechos afetados, elaborei algumas dicas que podem ser bastante úteis, baseadas numa coleção de sustos a partir da minha “observação participante”:
Dicas para quem for pegar um ônibus nas calçadas equipadas com ciclovias:
1. Ao pegar o ônibus, não corra, muito menos em ziguezague. Nunca se sabe se atrás de você tem uma bicicleta.
2. Ao descer do ônibus, certifique-se de que o veículo esteja totalmente parado e escolha bem aonde você vai por os pés: pode ser na ciclovia (o ponto de ônibus fica dentro da “faixa compartilhada”) ou numa das temidas barras de ferro dispostas ao longo de sua extensão e, inclusive, no próprio ponto de ônibus.
3. Em dias de muito sol, vento ou chuva forte, o melhor mesmo é ficar exposto às intempéries enquanto aguarda a sua condução. Não use guarda-chuva como alternativa ao abrigo que lhe foi retirado. Isso dificultará a sua visão das bicicletas.
Para os pedestres que ainda insistem em usar o que sobrou das calçadas, o melhor é seguir alguns conselhos básicos:
1. Use um retrovisor para andar na calçada e cuidado máximo nos trechos compartilhados.
Se possível, tente se manter fora da ciclovia, mesmo nos trechos de grande estreitamento da calçada.
2. Se você tem criança na faixa de 2 a 4 anos, oriente-a a não andar olhando para os lados. Um galo na cabeça pode esperar por ela, já que as barras de ferro estão logo ali na sua direção.
3. Carrinhos de bebês tornam-se potencialmente perigosos na calçada-ciclovia. No estreitamento da calçada, você pode, sem querer, ir parar na ciclovia (ver foto abaixo).
4. Não faça como o rapaz que vinha lendo seu texto universitário em apagada fotocópia, forçando a leitura bem próximo ao rosto: as barras de ferro não costumam ser benevolentes com quem anda distraído. Além da dor física, você ainda terá que encarar os risinhos disfarçados… Mas sempre aparece alguém solidário nessa hora, contando histórias de outros acidentes semelhantes naquela ciclovia-calçada.
5.Ao sair de casa, da padaria, da creche com seu filho pequeno, do comércio local em geral, para pisar na calçada, pare, olhe e escute. E segure muito bem a mão de sua criança. É mínima a distância entre a porta de muitos estabelecimentos e a ciclovia.
6. Criançada de férias: ao correr atrás da pipa voada, não se esqueça que na calçada agora, oficialmente, também tem trânsito de veículos e um monte de barras de ferro para machucar vocês.
7. Alunos dessa escola: a alternativa mais segura de acesso é utilizar velocípedes ou bicicletas na extinta calçada.
Se você é morador e a ciclovia passa rente ao seu portão, fique atento a essas recomendações:
1. A dica principal é fazer um seguro de acidentes pessoais. Ao abrir o portão de sua casa, pense bastante se vale a pena por os pés na calçada.
2. Seria mais prudente se você instalasse alarmes sonoros tanto no seu portão de garagem quanto no portão menor.
3. Se você tem carro, cuidado com as barras de ferro (instaladas na maior parte do percurso) ao sair e entrar na sua garagem. O prejuízo será todo seu.
Motoristas e motociclistas:
Já está muito complicado, mas se alguns de vocês continuarem utilizando a calçada-ciclovia como “via expressa” para driblar os engarrafamentos, qual será o futuro dos pedestres e ciclistas?
Para os ciclistas, redobrar o cuidado é mais do que necessário:
1. Não corra na calçada-ciclovia: ao menor sinal de pedestre, obstáculos e todo tipo de surpresas que aparecem na sua frente, você não terá tempo de frear e a tendência é ziguezaguear e se chocar contra as barras de ferro, o poste ou sabe0se lá o quê.
2. Esteja atento a tudo no seu caminho: desde pessoas e animais trafegando na ciclovia até as surpresas mais inusitadas, como este bueiro sem tampa e as estacas de advertência, alertando para a falta de manutenção na pista…
… e este hidrante (!), preservado no “projeto” que improvisou a ciclovia na calçada.
A ciclovia é sua. Use-a e desfrute-a com prazer e muita atenção. Ah, sim: não se esqueça que a calçada, de direito, (também) pertence ao pedestre.
Que a mobilidade é um dos mais importantes temas contemporâneos e um imperativo para a sobrevivência das grandes cidades, ninguém tem dúvida. Que a bicicleta é um equipamento fantástico de locomoção, lazer, promoção de uma vida saudável (se utilizada sem exageros) e “ecologicamente correto”, também parece ser consensual. Adequar as cidades para uma melhor mobilidade com a construção de ciclovias deveria, em tese, ser um dos maiores acertos nas políticas públicas de planejamento urbano. Mas, seria esse exemplo uma adequação para a mobilidade?
Antes de finalizar, registro aqui dois sustos que passei para escrever este post: ao percorrer o que sobrou da calçada bem rente a um portão de garagem, quase fui atropelada por um motorista que simplesmente tinha a intenção de sair de sua residência, não de atropelar uma pedestre numa microfatia do que sobrou de sua calçada. No reflexo, fui parar involuntariamente na ciclovia e, adivinhem, um inocente ciclista vinha passando bem na hora. Foram só dois muitos sustos…
Boa sorte em 2012 e menos sustos a todos que transitam por essas mal traçadas calçadas-ciclovias, especialmente às crianças e bebês que ficaram sem calçada na porta da escola e da creche.